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22/02/2017

A Esperança que resulta da Espiritualidade


Caros visitantes virtuais,
 
Escrevo-vos hoje sobre a esperança que resulta da espiritualidade no seguimento da minha mais recente estada em Fátima no passado fim-de-semana. Para mim Fátima é um local de emoções fortes, mas também de serenidade, de recolhimento e sobretudo de espiritualidade.
Tenha-se ou não Fé, impressiona e toca aquele clima de profundo respeito que se sente quanto se entra no recinto do santuário de Fátima, como em qualquer outro recinto de um santuário ou local religioso, católico ou não, um pouco por todo o mundo. Eu tenho Fé, mas mesmo que não tivesse sentir-me-ia tocada pela espiritualidade que se sente nas pessoas de todas as idades, género, cultura, condição social ou económica que ali se dirigem.
Há mais de trinta anos li um livro que ainda hoje considero um dos melhores livros que li: "O sagrado e o profano" de Mircea Eliade.

 

 
É uma extraordinária análise das dimensões profana e espiritual do ser humano nas várias culturas, desde as ancestrais à contemporânea e que nos faz concluir que, no que diz respeito a estas dimensões, o ser humano não mudou ao longo de milénios, apenas mudam as suas manifestações dessas dimensões.
O que nos faz pensar, tendo Fé ou não, que há no ser humano um apelo que lhe é superior, que o ultrapassa na sua dimensão física de ser limitado e condicionado à mortalidade. Algo que o transcende e o faz comunicar com uma realidade de uma dimensão especial, chama-se-lhe Deus, Alá, Nirvana, poder superior, ou mesmo não se lhe chame nada, mas há uma consciência de algo de universal e intemporal que pela sua grandiosidade nos impressiona, causa respeito, ou no caso de quem tem Fé, que nos causa adesão a uma postura perante a vida de humildade e de sentimento de irmandade com o ser humano, o outro, a quem os cristãos chamam irmão, na sua ligação a um Pai comum.
Há a outra dimensão destes locais espirituais, é estarem rodeados de comércio religioso, alimentado por turismo religioso e que têm ambos uma dimensão de consumo que faz lembrar os vendilhões do templo que, conta a Bíblia, no Novo Testamento, Jesus Cristo expulsou do Templo insurgindo-se contra esta profana vertente tão próxima a um local sagrado. (Para quem não conhece a diferença, e em termos muito simplificados: a Bíblia é um conjunto de livros organizados em duas partes, uma correspondente ao Antigo Testamento - até ao nascimento de Jesus Cristo, e o Novo Testamento - a partir da preparação do nascimento de Cristo e depois do seu nascimento até à sua ressurreição).
Outra dimensão ainda, que me impressiona, e que já me revoltou, é a do cumprimento de promessas de muitos fiéis que de joelhos se arrastam por vezes com profundo sofrimento ao redor da capelinha em honra à Nossa Senhora de Fátima, nome que ali é dado a Maria, mãe de Jesus que um pouco por todo o país e um pouco por todo o mundo é identificada com muitos nomes diferentes resultantes da necessidade do ser humano de a tornar próxima de si, como uma grande Mãe universal.
Mais jovem revoltei-me com o facto de a Igreja não pôr termo a essa dimensão de sofrimento e de não transmitir a mensagem que Deus, o Deus em que acredito, não nos impõe sofrimentos nem os deseja, bem pelo contrário, é um Deus que apela ao respeito pela dignidade humana e o bem estar físico, psíquico e espiritual do ser humano.  Hoje compreendo que a Igreja, leia-se o Vaticano e toda a estrutura hierárquica da Igreja a nível mundial, Portugal incluído, demorou demasiados séculos a libertar os seus fiéis do peso da culpa do pecado, da humilhação do ser humano, do culto das promessas, do culto da penitência no seu pior sentido e, no fundo, no culto do sofrimento. A linguagem hoje felizmente é outra já bem diferente, mas serão ainda necessários muitos anos, ou talvez décadas para que os fiéis se libertem desse peso em que continuam a acreditar que os liberta das suas dores e do seu sofrimento. Há que continuar a lutar por uma evangelização positiva e dignificante, mas ela demorará a fazer os seus efeitos, e eu respeito quem continua a viver nessa dimensão humilhante de que ainda se não libertou e que de algum modo lhe traz alguma esperança nos momentos de maior dor.
Em todo o caso, o que prevalece é que os locais espirituais me inspiram uma profunda serenidade, respeito pelo intemporal, paz interior e uma força interior a que chamo Fé que se traduz numa gratidão à vida, numa comunhão de presença com toda aquela gente que ali se encontra e que não conheço mas com quem partilho algo que nos convoca a estar ali, naquele local que nos é especial.
Para mim, há uma esperança que resulta da espiritualidade, a esperança da dignificação cada vez maior do ser humano, da sua aproximação cada vez maior num amplo plano universal em que somos todos iguais em condição e com uma dimensão que nos transcende e que nos une inclusivamente à própria natureza. Esta minha forma de pensar e de sentir explica a minha predileção muito especial por São Francisco de Assis que de forma belíssima nos fala da irmã-lua e do irmão-lobo e uma das mais bonitas orações para mim é a de autoria dele, "O Cântico das criaturas" que abaixo vos deixo:

 

"Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a ti o louvor, a glória,
a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante,
com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
pela irmã Lua e as Estrelas:
no céu as acendeste, claras, e preciosas e belas.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
pelo irmão Vento
e pelo Ar, e Nuvens, e Sereno,
e todo o tempo,
por quem dás às tuas criaturas o sustento.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
pelo irmão Fogo,
pelo qual alumias a noite:
e ele é belo, e jucundo, e robusto e forte.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e governa,
e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados aqueles
que as suportam em paz,
pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, ó meu Senhor,
por nossa irmã a Morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar.
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles
que cumpriram a tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças
e servi-o com grande humildade."
São Francisco de Assis, "Cântico das Criaturas"

Se nunca visitou um santuário caro visitante virtual, convido-o a fazê-lo, seja em que parte de Portugal ou do mundo se encontre. Mas entre de mente aberta, descalce primeiro os sapatos da desconfiança e da crítica antecipada... e usufrua de serenidade, força e esperança.

C.C.

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