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25/09/2017

Pregões de Esperança nas palavras e nos gestos



Caro(a) visitante virtual,

Tendo D. Manuel Martins, partido do nosso universo físico no passado domingo, depois de 90 anos de vida dedicados à Esperança e a suscitar esperança nos mais mais dela carenciados no plano espiritual, social e económico, não poderia deixar de lhe dedicar um post numa profunda gratidão por todo o conforto e alento, força e esperança que trouxe ao nosso país e, de forma muito em particular, às partes do nosso país mais carenciadas.
Nunca tive o privilégio de conhecer, nem sequer de ver alguma vez na minha vida D. Manuel Martins, mas este homem marcou profundamente a minha juventude com o contacto que tive com as suas palavras de esperança e de luta pelos mais necessitados, de luta pela liberdade e pela dignidade do ser humanos e das suas comunidades, pela igualdade de direitos políticos, económicos, sociais e culturais e pela promoção de valores tão nobres não apenas nas circunstâncias favoráveis, mas em circunstâncias em que não era politicamente correto defender estes valores, bem pelo contrário, em circunstâncias adversas. E fê-lo sempre com nobreza de caráter, verticalidade, frontalidade, eloquência, persistência, firmeza e muita coragem, tendo mesmo, por isso, não apenas sido apelidado de "Bispo Vermelho", numa expressão acusatória de insinuação a valores de esquerda, como se estes fossem de algum modo incompatíveis com os valores do Cristianismo que professou toda a sua vida e com que me identifico, uns e outros.
Foi justamente graças a pessoas de mente esclarecida, aberta, arejada e tolerante que continuei no meu percurso de fé, apesar de todas as poeiras e até às vezes lamas que têm coberto a imagem da Igreja Católica desde o seu surgimento até aos dias de hoje. É precisamente graças a vozes de esperança, coragem, liberdade, igualdade, tolerância e solidariedade universais que tantos por todo o mundo, como eu, continuam a acreditar que ainda hoje há quem genuinamente siga Jesus Cristo nas suas palavras e nos seus gestos corajosos pela dignidade do ser humano e da sociedade.
Esquecem-se ou querem esquecer-se aqueles que tanto o criticaram e até ostracizaram (porventura alguns dos que agora, após a sua morte o elogiarão. A vida tem destas ironias.), muitos deles dentro da Igreja, que o próprio Jesus Cristo era ele próprio um revolucionário, como, aliás, era próprio dos profetas. Mas, no caso concreto de Jesus Cristo, para além de revolucionário nas palavras este homem foi em tudo revolucionário nas palavras contra os poderosos e dominadores do seu tempo, revolucionário na aproximação e ternura para com os mais pobres, os mais doentes e os marginalizados; corajoso na determinação com que enfrentou reis, juízes, doutores da lei e todos quantos entendia que violavam os direitos humanos; e persistente na sua luta pela igualdade e dignidade do ser humano até ao limite de, conscientemente, colocar em risco a sua própria vida.


D. Manuel Martins, foi sem dúvida um bispo à altura deste património espiritual que eleva a dignidade do ser humano, contra ventos e marés, se estas se opuserem à liberdade e à dignidade humanas. É numa religião assim que acredito, é em homens com esta fibra, integridade, verticalidade, transparência, coerência e arejamento de ideias e valores que deposito a minha confiança e a minha esperança na construção de sociedades mais justas, mais equitativas e mais propiciadoras do pleno desenvolvimento de todos. Homens e mulheres sem poeira na alma, nas ideias ou no coração. Gente arrojada, sem se prender a deslumbramentos mundanos de poder; gente despojada e sem arrogâncias; gente que está pronta a chegar-se à frente em defesa dos indefesos mesmo que a maré esteja em recuo.
Diz quem o conheceu que, para além de um homem frontal e plural era ainda um homem divertido. Sem dúvida foi um homem que abanou instituições, mesmo a sua própria instituição de que foi ordenado padre em 1951 e bispo em 1975. Período quente em Portugal social e politicamente. Conheceu bem o seu povo nacional e as suas dores da ditadura e da afirmação de uma democracia. Em Setúbal, de que foi o primeiro bispo, durante os 23 anos do seu episcopado transformou as vidas de muita gente, tocou muitos corações e contagiou com a sua fé, as suas palavras e os seus atos não apenas a área do seu episcopado, mas todo o país e até o mundo. 
Foi um homem que teve uma participação cívica ativa e frontal nas sedes próprias no plano nacional e internacional. Foi um homem que ouviu e deu voz a muitas organizações não governamentais de promoção dos direitos humanos e da proteção do ambiente e do planeta, algumas das quais foi membro-fundador. Foi um homem que encorajou os portugueses para uma cidadania consciente e ativa, como um direito e um dever que lhes assiste.
Foi das primeiras vozes públicas a erguer-se, nomeadamente junto das Nações Unidas pela independência de Timor-Leste. 
Foi sempre uma voz bem audível contra toda a violência, nomeadamente política, social e económica de que tivesse público conhecimento.
E, apesar de conhecer profundamente o desespero do ser humano nas situações sociais e humanas mais adversas, foi também sempre um homem de alento e de esperança, reconfortador e retemperador de estados de alma e não apenas do corpo, ambos igualmente necessários ao bem-estar integral do ser humano.

As suas homilias, várias delas reunidas na obra "Cantar a vida!" refletem o seu "modo de estar", que também publicou. Um modo de estar na Fé, na Igreja, na Sociedade, no País e no Mundo.
Este homem, nascido em 1927 em Matosinhos, ficará para sempre na minha memória e na memória de milhões de Portugueses e de cidadãos do mundo como um homem de esperança e será sempre com um sorriso de gratidão que o lembrarei, reconhecida por me ter tocado desde a minha juventude com a sabedoria, força e esperança das suas palavras.
Para homens assim e mulheres assim... Com homens e mulheres assim... não há fronteiras, não há limites, há valores intemporais pelos quais vale a pena lutar para nos construirmos a nós próprios interiormente e nos nossos gestos de aproximação ao outro, mesmo àquele que é diferente de mim e, precisamente por o ser, eu não conheço tão bem e posso até recear indevidamente. 
São pessoas assim que constroem a Fé universal em Deus, num Poder Superior, sem condições de aceitação do ser humano, sempre com limitações, mas também com um apelo interior à perfeição, à serenidade, à beleza, à infinitude e à eternidade.
D. Manuel Martins será sempre um homem intemporal que deixou esperança semeada por onde passou ou onde a sua voz chegou e continua a chegar com todo o precioso legado de mensagens que nos deixou.

Uma boa viagem pelo conhecimento desta fonte de esperança, caro(a) visitante virtual.
Um abraço virtual

C.C.

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