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21/07/2012

Viajar à descoberta da humanidade






Caros visitantes virtuais,

Numa semana em que Lisboa recebeu uma vez mais a deslumbrante visita dos grandes veleiros e das suas tripulações, neste caso, jovens que vieram apaixonar-se pelo mar luso, pelas sete colinas de Lisboa, pelo sol  pelo encanto do avcolhimento caloroso dos portugueses, não poderia deixar de vos falar de viagens.
Uma colega de trabalho, Liliana Raminhos, há uns meses sugeriu-me que escrevesse sobre uma frase que ouviu a uma pessoa amiga. Gostou da frase e achou que ela daria um bom motivo para pensar e escrever sobre ela. Demorei a aceitar o desafio porque, embora gostasse da frase, me pareceu que ela não seria a que mais precisamos de ouvir numa fase de dificuldades financeiras como é a que vivemos.
A frase é a seguinte: "Estar no mundo sem viajar é o mesmo que ler um livro e nunca passar da mesma página".
Revejo-me completamente nesta frase, pois partilho a paixão pelas viagens que nos é ancestral, a semente da descoberta do outro, do diferente, do longínquo, que nos corre nas veias lusas desde os tempos da caravela dos descobrimentos com que nos séculos XV e XVI Portugal mostrou a grandiosidade universal de que se reveste. Portugueses de todas as classes sociais, desde os monarcas aos plebeus,deixaram nas nossas veias sangue corajoso, arrojado, inovador, criativo, sedente do conhecimento e do encontro com outros povos e culturas.
A primeira vez que tive a oportunidade de viajar para o estrangeiro, há mais de um quarto de século, era já uma recém-licenciada. Os meus filhos, ainda a frequentar o ensino básico, tiveram oportunidade desse encontro além-fronteiras que, para eles, de tão natural, como para os jovens da sua geração, parece quase um prolongamento da travessia do Tejo.
Quando em 1986 tive pela primeira vez a oportunidade de viajar, foi de comboio, e o destino escolhido foi Paris. Durante um mês extasiei-me com a cidade cujos recantos percorri deslumbrada. Ainda hoje é uma cidade que revisito com o encanto mágico de quem pôde, com os seus olhos jovens e sedentos de descoberta, pousar sobre o mesmo espaço onde o Louvre e outros grandes museus oferecem a cultura europeia e do mundo, onde os grandes escritores e cantores franceses foram inspirados pelas águas do magnífico rio Sena e onde toda a beleza arquitetónica e riqueza cultural parisiense nos enlaçam numa paixão insaciável.
Já me ocorreu estarmos eventualmente a regressar a épocas em que apenas os mais favorecidos economicamente tinham oportunidade de viajar. Preocupa-me esta situação, porque, concordo que estar no mundo sem viajar é o mesmo que ler um livro e nunca passar da mesma página. Por outro lado,  quantas pessoas no mundo nunca viajaram para fora, muitas vezes das suas pequenas aldeias, e vivem repletas de histórias riquíssimas que vão partilhando com os outros habitantes da comunidade, sobretudo as crianças, que as escutam deliciadas cantadas ou contadas na voz serena e sábia dos seus e das suas avós?
Eu própria viajei por lendas e mundos reais e irreais transportada na voz ímpar do meu avô José Francisco. Dele me veio o gosto pelas histórias e pela História, pela literatura, pelo cimema, pelo teatro, pela pintura, pois foi ele, mais que ninguém que descerrou o pano do palco da vida para além dos meus horizontes.
Assim, podemos passar da mesma página do livro viajando pela voz que quem viaja,  pelos livros e fotografias de quem viaja, pela música, pela pintura, pelas companhias de todas as formas de expressão artística que atuam perto de nós, em fases em que não podemos deslocar-nos.
Creio que, de tempos a tempos, não é negativo que os nossos jovens experimentem dificuldades, aprendam a fazer face à frustração de não poderem fazer o que querem no momento em que querem, pois é nesse cenário que a vida é mais real. Depois, ultrapassadas as dificuldades, sabe melhor a pequena viagem que já foi possível realizar, mesmo que represente o sonho de uma vida. O valor está não no que fazemos, mas no valor que conferimos ao que fazemos e na companhia que escolhemos para partilhar a caminhada, curta ou longa.
Há ainda outra importante viagem a não descurar nunca, a viagem ao interior de nós mesmos. A procura do que somos realmente e de quem queremos ser, para além dos tombos que vamos dando e dos retoques de maquilhagem que, homens ou mulheres, usamos indiferenciadamente para melhorar a nossa aparência física e psicológica aos olhos dos outros. Para esta viagem, não se requerem condições financeiras, requer-se disponibilidade e coragem para se enfrentar a si prório, para se estimar a si próprio apesar das mazelas e rugas, das palavras e gestos errados que todos fazemos. Viagem à descoberta da nossa humanidade. E, depois, arrumada a nossa bagagem interior, há que ter a audácia ainda maior para partir à descoberta do outro, do que nos espera ou não nos espera, mas sempre aquele por quem vale a pena o caminho, seja ele amizade ou amor. 
Para quem acredita ou não acredita em Deus, é sempre um desafio maior ir à procura da Fé, simplesmente porque os sinais desta caminhada não se vêem a olho nu, nem com microscópio, nem com telescópio por mais poderosos que sejam. Quem os vê, onde me incluo, conta que os vê com a alma e com o coração e, depois disso, já os vê mesmo apesar da miopia dos seus olhos.
Caro visitante virtual, desafio-o a pôr-se a caminho de uma qualquer destas viagens e a partilhar com os outros a sua caminhada e as descobertas que vai fazendo: onde tropeçou, como se levantou, onde sorriu e onde chorou. No final, à sua espera, estará o tesouro que mereceu encontrar. Por pequeno que seja, não o desvalorize, pois ele é um importante grão de areia na praia da sua vida.
Votos de  uma boa semana e de boas viagens,

C.C.


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