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08/01/2012

A riqueza serena dos nossos avós

Caros visitantes virtuais,

Falo-vos hoje da riqueza serena dos nossos avós.
A minha avó Conceição, na foto acima, viveu 96 anos. Era uma mulher extraordinária que muito me ensinou, bem como aos outros netos. Ficou viúva muito nova com três filhos para criar, um dos quais deficiente, numa pequena aldeia (Roqueiro, distrito de Castelo Branco) e com poucos recursos para gerir.
Nunca teve uma depressão. O amor incondicional pelos filhos, e depois pelos netos, bem como a fé, foram pilares que fizeram dela uma mulher sempre serena e sorridente.
Era um livro de história e de histórias permanente. Tanto falava do que se recordava da monarquia, como das duas guerras mundiais, do tempo de Salazar e da primeira vez em que pôde votar, ainda que analfabeta, no tempo da democracia.
Com ela aprendi o que é a coragem, a vontade de viver e nunca desistir e a capacidade de alegria genuína, mesmo nas condições mais adversas.




O meu avô José Francisco viveu menos uma década, mas era um homem igualmente sereno e alegre. Numa época em que o machismo era a atitude predominante dos homens, cultos e incultos, o meu avô Chamiça era de uma sensibilidade e respeito para com a condição feminina admiráveis. Era ainda um homem compreensivo, solidário e generoso.
Unia-nos uma cumplicidade única, como sucede nos laços de beleza incomparável que unem avós e netos quando estão disponíveis para acolher essa relação mágica que une gerações tão diferentes.
O meu avô era dos poucos homens da aldeia que sabia ler, gostava muito de ler e sabia de memória histórias fantásticas que tinham atravessado gerações. Deliciava-me a ouvi-lo falar ao serão à lareira, sobre tempos remotos, com uma paciência infinita ou sentados juntos na soleira da porta dele durante as férias em Silvosa, pequena aldeia no distrito de Castelo Branco.
Neste post presto aos meus avós materno e paterno das fotos acima, uma homenagem muita carinhosa pois a ternura que nos envolveu enquanto viveram era imensa e ainda hoje sinto a presença forte de ambos na minha vida, bem como lembro as sábias lições de vida e deliciosas histórias com que me enriqueceram a existência.
Presto também homenagem ao meu avô Manuel Luís, que nunca tive a felicidade de conhecer, pois morreu quando a minha mãe era ainda criança, mas de quem ela me falou a vida inteira tornando-o presente na minha vida e presto também homenagem à minha avó Maria Dias de quem guardo também uma memória e um carinho muito profundos.



Creio firmemente que nos tempos que vivemos esquecemos muitas vezes a riqueza que constituem para nós os nossos avós.
A forma de vida quotidiana, apressada e excessivamente centrada no trabalho e no consumismo, não nos deixa por vezes pousar o olhar atento sobre a serenidade e sabedoria de vida dos nossos avós, da gente da nossa sociedade portuguesa que constitui uma riqueza e um património histórico vivo, lições preciosas de aprendizagem com erros do passado que não devemos descurar ouvir atenta e respeitosamente para alimentar as nossas reflexões pessoais, familiares, sociais e políticas. Homens e mulheres, alguns até já centenários, como é o feliz caso do nosso célebre e tão premiado cineasta Manuel de Oliveira. Portugal tem que ouvir essas vozes agora e sempre.
As sociedades ancestrais e algumas culturas dos nossos tempos continuam a valorizar as pessoas com mais idade, a que se convencionou chamar terceira idade, como os mais importantes elementos daquelas sociedades. Nos anciãos e anciãs reconheciam o mais elevado nível de dignificação social do ser humano, pois tinham percorrido o tempo e acumulado sabedoria em cada década vivida. Eram os sábios a quem se devia sempre escutar com reverência. Não tinham já a mesma agilidade física, mas eram respeitados pela sabedoria de vida que representavam.
Actualmente não só se esquece o papel activo que os nossos avós tiveram e o que muito contribuíram com a sua entrega pessoal, familiar e social, como são muitas vezes esquecidos e abandonados à sua solidão.
Felicito a Câmara Municipal de Vale de Cambra pelo projecto que veio a público recentemente de iniciar uma rede de voluntariado social "Apadrinhamento de idosos" que visa ajudar a contribuir para desenvolver laços informais que quebrem esse drama da solidão e isolamento social a que tantos idosos estão votados. Considero que este constitui uma boa prática a partilhar.
Projectos deste tipo são um importante sinal de esperança com que se deve aprender, mas para mim o principal sinal de esperança, para além de projectos dessa natureza que tanta falta fazem, deve ser encontrado também mais perto, dentro de cada família.Este ano de 2012 foi ainda decretado pela União Europeia, o "Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações". Iniciativa que felicito e que trará importantes reflexões científicas e técnicas sobre o facto de hoje em dia a esperança média de vida ser mais elevada e, portanto, as gerações conviverem mais tempo umas com as outras, o que considero que constitui um potencial muito particular de enriquecimento da humanidade.
Viver mais e com mais qualidade.
Viver mais e da forma mais gratificante possível.
Viver mais em maior articulação entre gerações.
São esperanças que considero importantes, possíveis e fomentadoras de sociedades mais equilibradas, mais serenas e com maior capacidade parase centrarem no que é essencial para a felicidade do ser humano.
Mais informação sobre este Ano Europeu em :
http://ec.europa.eu/social/ey2012main.jsp?catId=970&langId=pt

Face a tudo isto, caro visitante virtual, desafio-o a ir ao encontro dos seus avós e descobrir a imensa riqueza que eles constituem em si mesmos. Dê-lhes a alegria de poderem revelar as pérolas que as suas palavras serenas e sábias podem constituir. Dê-lhes o prazer de partilhar consigo a serenidade de vida que aprenderam. Se eles já perderam as suas capacidades intelectuais, lembre-se do que lhe contavam quando ainda estavam intelectualmente capazes de evocar as suas experiências de vida. Só pelo que foram já merecem todo o seu respeito e carinho. E, se já partiram, revisite as suas memórias e alimente-se com elas. Ouça também os idosos seus vizinhos e familiares dos seus amigos e aprenda com eles. Acompanhe atendamente os nossos fabulosos intelectuais e artistas que transportam consigo décadas de conhecimento de vida, do país e do mundo. Asseguro-lhe, vai valer a pena. Vai sorrir e fazer sorrir, e sairá mais enriquecido e fortalecido desses encontros mágicos com gente que é habitada pela sabedoria e tranquilidade do Tempo, essa grande autoridade.

Uma boa semana, caro visitante virtual,

C.C.

2 comentários:

  1. Anónimo1/10/2012

    Mais um dos teus belos textos que nos vem recordar a sabedoria e o coração grande que os nossos anciãos doam aos seus netos e à Sociedade em geral, que os deve proteger e acarinhar, (Maria José Rosa)

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  2. Muito obrigada pelas simpáticas palavras e pela partilha da reflexão.

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