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27/11/2011

A esperança que brota da nossa riqueza imaterial




Caros visitantes virtuais,



Acabámos há minutos de saber que o FADO foi reconhecido pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade. Estamos de Parabéns.


Começo este post encabeçado pelo magnífico quadro de José Malhoa, pintado em 1910 e que ainda hoje nos transmite a intensidade de Lisboa, da sua história única de cidade cosmopolita desde há séculos, onde mergulham nos becos das sete colinas, gentes de proveniências nacionais e sociais diversas que na tertúlia em volta de um Fado se tornam irmãos em condição.


A Severa, na sua postura de deleite e de ausência de convenção social, ouvindo o gemer de uma guitarra portuguesa numa tasca de um qualquer bairro alfacinha reproduz tempos que deixaram memória, fizeram história, mas também que passaram de geração em geração deixando na música das guitarras e na voz dos fadistas a mesma paixão arrebatada que fala de dor e saudade, mas também de uma entrega ao Amor ao ponto de considerar que a vida sem esse sentimento supremo de nada vale.





O Fado nasceu nas ruas de Lisboa, filho de varinas, marinheiros, vendedoras de laranjas, mas também de fidalgos. As suas raízes estão nas colinas de Lisboa, mas também na vida do mar, do Porto de Lisboa, nas trocas comerciais, nas misturas de gentes, de cheiros, de sabores. Nos abraços e conflitos junto ao cais. Nas partidas e regressos. Nas ausências e nos aconchegos. Nos pregões alfacinhas, mas também nas influências que nos chegaram da Índia, de África, da Ásia e das Américas.

O Fado é Português mas tem o mundo dentro dele e, talvez por isso, mesmo quem não entende Português capta a beleza, paixão e intensidade comovente que toca quem o escuta. Sem fronteiras, porque a sua mensagem também não tem fronteiras, é universal.


O Fado captou a alma portuguesa no que tem de mais genuíno: a grandiosidade de sentimentos e de paixão, a imensidão do sonho que nos levou tão longe em tempos nos descobrimentos e hoje na inovação, na investigação científica e na criatividade que exprimimos em Portugal ou trabalhando noutros países.


O Fado é ainda a saudade dos que amamos e que perdemos.


Mas o Fado são também as magníficas e imortais palavras dos nossos poetas e a música eterna que envolve os versos que descrevem o ser humano, a sua fé, os seus sentimentos, receios, anseios e esperanças. A sua fraqueza, mas também a sua força. A sua perdição, mas também o encontro consigo próprio. O que temos de imortal dentro de nós.

O Fado é cada um de nós transportado numa voz que nos arrebata para além de nós próprios e nos faz sentir pequeninos, perante tal intensidade de expressão artística.


O Fado é imortal porque a alma do homem e de um povo também o é.


O Museu do Fado está de parabéns por tudo o que tem feito por esta candidatura e pelo Fado.
O Museu merece bem uma visita, que já fiz e recomendo e o site é: http://www.museudofado.pt/
Considero que o facto de se reconhecer a importância em distinguirem riquezas culturais não materiais como património da humanidade é um dos maiores sinais de esperança da sociedade actual. Merece-o o Fado, como o merecem muitas outras riquezas desse tipo que, por não serem de origem portuguesa não nos tocam tanto afectivamente. A mim importa-me sobretudo esse acto de o ser humano se elevar acima do objecto e reconhecer um valor inestimável ao "não palpável", porque, como dizia Saint-Éxupéry, " o essencial é ínvisível aos olhos".


Claro que, como portuguesa que sou, me empolga emotivamente e me orgulha muito a escolha do Fado para ter internacionalmente o reconhecimento que sinto justamente que merece e que hoje foi reconhecido.


De acordo com a Convenção da UNESCO, actualmente subscrita por 139 Estados Membros, e que em 2003 reconheceu a importância da valorização do Património Imateral da Humanidade, um bem imaterial tem que ter as seguintes características para ter esse reconhecimento internacional: tem que ser simultaneamente tradicional e estar ainda presente na cultura de um povo, tem que ser inclusivo, representativo e fundado nas comunidades.






Pelo que disse acima sobre o Fado considero que tem todas as condições para ser reconhecido pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, o que acabámos de saber que se concretizou, tendo mesmo a candidatura sido elogiada e considerada exemplar. Mais ainda, e não menos importante é o facto de ter saído das tascas de Lisboa para ser ouvido na rádio, projectado na pintura e na literatura, reproduzido de forma avassaladora pela indústria discográfica e cinematográfica, e ainda, ter subido aos palcos populares e aos ditos-eruditos e mais conceituados de Portugal e de todo o mundo.


Amália Rodrigues foi, no meu entender, a maior Embaixadora do Fado: pegou nas suas raízes tradicionais e acrescentou-lhe inovação e riqueza literária ao cantar os grandes poetas portugueses; acrescentou-lhe ainda riqueza musical ao aceitar que compositores introduzissem no fado novos suportes musicais, deu ao Fado a intensidade da sua voz e interpretação vocal e corporal únicas, deu ao Fado a intimidade do seu ser sob a forma dos seus poemas e deu ao Fado uma projecção nacional e internacional excepcionais e que prevalece para além da sua partida em 1999. Por isso, como pedia, merece não apenas que choremos por ela, como pedia, como continuemos a bater-lhe palmas porque, como dizia, "são o que me mantém viva".


Que me desculpem todos os outros fadistas mais antigos e contemporâneos que tanto aprecio, mas vou mencionar apenas o nome de Amália porque considero que, Portugal hoje ao vencer a candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade a deve, com toda a justiça, dedicar a esta grande Senhora do Fado: Amália Rodrigues. Ela merece e nós sabemos que ficaria muito feliz com isso.


Alegremo-nos com esta vitória do Fado e de Portugal, para mim a esperança reside na nossa muita riqueza imaterial, esta e outras, que fazem de Portugal e dos Portugueses, de cada ser humano e de cada cultura únicas e belezas admiráveis e que dão à vida uma cor muito especial, seja literatura, pintura, escultura, música, tradições orais ou outras formas de expressão do ser humano.


Uma boa semana e um abraço, caros visitantes virtuais.


C.C.

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