Caros visitantes
virtuais,
Falo-vos hoje de uma
personalidade ímpar da cultura portuguesa que ontem regressou aos palcos:
Mariza. Comemorou também dez anos de carreira, mas sobre esse aspeto, nada
disse. Para ela o importante era estar de volta à sua gente, mulher renovada
para o fado, pois redescobriu no mesmo novos sentidos agora como jovem mãe.
A grande fadista
portuguesa, premiada nacional e internacionalmente, tem esgotado palcos de
espetáculo nos cinco continentes. Transporta com ela não apenas a Língua e a
Cultura Portuguesa, mas também a ligação profunda de Portugal aos seus países
irmãos de expressão portuguesa, num cruzamento de sons de África e do Brasil.
Ontem, uma vez mais,
arrebatou a alma e todos os sentidos dos que estiveram presentes no Coliseu dos
Recreios, portugueses e estrangeiros, compreendendo ou não a Língua Portuguesa.
A paixão inerente ao Fado é uma linguagem internacional, o que explica que
tenha sido, em 2011, declarado Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO
(Sobre este aspeto nada mais refiro pois escrevi sobre este assunto o meu post
disponível em: http://celiachamica.blogspot.pt/2011_11_01_archive.html ).
Mariza, com os seus
excelentes músicos, são Portugal e os Portugueses no seu melhor.
É não apenas um enorme
prazer, mas também um orgulho ouvi-los e vê-los atuar, esmagando naqueles
momentos mágicos todas as sombras de crise e imagens menos positivas que lá
fora e cá dentro os outros ou nós próprios tenhamos sobre Portugal.
E o que é mais fantástico
é que ouvir Mariza e os seus guitarristas e percussionista não é um anestesiante
que nos faz esquecer mágoas. É certo que as pomos de parte, mas porque o que
ouvimos é de tal modo de excelência que nesses momentos vivemos a grandiosidade
que também fomos e continuamos a ser enquanto povo e enquanto cultura
portuguesa.
A um dado momento, num
certo poema que já não consigo precisar qual, quando evocou a palavra “Portugal”
e a sua condição, senti que Mariza naquele momento tinha presente a tristeza
que nos atravessa a alma e a existência nos dias que correm. Pode ter sido uma
simples perceção minha ou talvez a mágica comunhão que ela consegue estabelecer
com o seu público.
Mariza, sem vedetismos,
deslocou o palco para o meio do seu público. Veio cantar no meio da sua gente,
entre as cadeiras da plateia do Coliseu. Pude vê-la de perto a cantar com uma
intensidade que unia em profundeza cada um de nós àquela mulher simples,
nascida em Moçambique, em 1973, que viveu na Mouraria, estudou nas escolas
públicas de Lisboa e pisou os mais prestigiados palcos do mundo. Mariza
mostra-nos em cada atuação sua que com talento o sonho torna-se realidade se
por ele lutarmos, sem desistir, mesmo quando em tempos tenha havido quem não
acreditou no nosso talento, o que também sucedeu com a própria. Mariza teve que
construir o seu percurso, e Portugal deve muito ao extraordinário percurso que
já realizou nestes primeiros dez anos desta que espero seja uma longa carreira
da fadista que o jornal inglês “The Guardian” identificou como “uma diva da
música do mundo”.
No meio da sua gente, de
todas as condições sociais, quando cantava “Ó gente da minha terra” teve que
parar tolhida pela comoção de tanto carinho com que era inundada pelo Coliseu
em pé, a acolher o seu regresso palmas, acenos, lágrimas e sorrisos que a sua
voz e interpretação faziam jorrar em cada fado. Retomou a atuação já no palco.
Aqueles momentos de travessia até chegar ao palco, e onde se ouviu de novo a
sua voz, foram de um silêncio tão belo como magnífica a voz que o rompeu. O
talento ímpar e a entrega genuína de uma artista portuguesa ao seu público, ao
público que a escuta não apenas com os ouvidos, mas com toda a sua alma, de
Portugal e do Mundo.
O sentimento que liga
Mariza à sua gente, onde me incluo com toda a humildade, é o que nos ajuda a
levar para a frente este país. Neste espaço mágico da alma portuguesa, de gente
forte e livre, o destino faz-se pelas suas próprias mãos, sem políticos e sem
“troika”.
É a força de continuarmos
a acreditar no melhor que somos e que conseguimos fazer que nos valoriza e que
valoriza o nosso país. Porque é esse o nosso património valiosíssimo como povo,
com forte presença no mundo inteiro, desde há mais de cinco séculos, sobretudo
desde os Descobrimentos.
Partilho convosco a letra
de um dos fados que Mariza ontem cantou, mas numa interpretação que fez do
mesmo, na China, em Shangai, em 2010. Este poema, com letra de Fernando Pessoa,
é para mim um dos textos literários mais bonitos e intensos de sempre sobre o
amor e a paixão arrebatadora numa simplicidade, liberdade, audácia e intimidade
comovente. Neste poema, o amor não tem limites, solta-se sem defesas numa
procura desenfreada do outro, e quando se encontra, a magia da intimidade é
perturbadora e comovente.
“Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por quinta, por fonte,
Caminhais aliados.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por prados desertos
Sem ter horizontes,
Caminhais libertos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por ínvios caminhos
Por rios sem ponte,
Caminhais sozinhos.
Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.”
(Fernando Pessoa, 24-10-1932)
Mário Pacheco musicou
este poema de forma tão bela e tocante que parece quase impossível que o mesmo
fosse musicado de outro modo que não aquele.
Mariza interpreta este
fado de forma tão arrebatadora que o vive na sua voz e em todo o seu corpo.
Deixo-vos esta beleza imaterial e quase sobrenatural, de letra, de música e de
interpretação:
www.youtube.com/watch?v=cJQdq01tkfM
Parabéns à Mariza e aos
seus músicos. Obrigada por partilharem connosco e com o mundo o seu enorme
talento e lançarem entre nós sementes de esperança que certamente florescerão.
Uma boa semana, caros
visitantes virtuais, e ouçam Mariza que estará no próximo dia 20 no Porto se
puderem, ou nas inúmeras gravações que já existem dos seus Fados.
Um abraço virtual,
C.C.
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